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terça-feira, 2 de agosto de 2016

6 de dezembro de 2015.



 
  Não era fácil trabalhar aos sábados. O movimento podia ser maior do que durante a semana, mas nessa época do ano, a cidade começava a esvaziar. Folheio as páginas de um livro. Não consigo me concentrar, passo as páginas apenas.
  - Vamos almoçar? - Eduarda me convida enquanto termina de fechar o caixa.
  Assinto. Deixo o livro de lado e a ajudo a fechar temporariamente a loja. Normalmente deixaríamos outro par de funcionários ali, que almoçariam quando voltássemos, mas estes também estavam de férias. Pego minha bolsa e andamos até um restaurante barato não muito longe dali. Cumprimentamos amigavelmente a moça da balança que sempre tomava seu café da manhã em nossa loja.O comércio se fortalece, afinal.
  Como sem prestar muita atenção na comida. Quando meus olhos se deparam com Eduarda, ela ajeita os óculos de hastes avermelhadas, estava me observando há um tempo.
  - O que há com você? - questiona.
  - Ah... Difícil explicar. - dou de ombros. Não sou a pessoa mais sorridente e atenta do planeta, ela já está acostumada com isso. Mas ela também consegue captar quando as coisas não estão muito certas e já faz um tempo que elas estão assim. Meu ego reclama. Mesma coisa de sempre. - É como se eu estivesse no meio do mar.
  - Eu estou aqui. - ela sorriu suavemente e colocou sua mão sobre a minha. - É a situação do apartamento e do Hugo?
  - Também. Não gosto do fato dele me ajudar a pagar e não morar lá. - suspiro. - Mas tem outra coisa.
  - O que é?
  - Eu não sei... Parece que estou meio perdida.
  - Melancolia? - ela cruzou as mãos.
  - Acredito que sim... É tudo muito escuro, muito preto e branco. - desvio o olhar. - Não consigo dormir, chorar, sair do lugar.
  O restaurante estava vazio. Só havia nós duas e os funcionários estavam na cozinha. Não era um lugar bem decorado, era simples. Mas havia um esforço de decoração: origamis brancos pendiam do teto nos cantos do local. Perguntei-me há quanto tempo estavam ali, já que não pareciam novos. Não havia notado antes. Eles pendem tristemente. Volto-me para o papel branco que cobria a mesa.
  - Você sabe que pode contar comigo, não sabe? - seu olhar parecia me sustentar.
  Eu não havia escolhido a amizade de Eduarda. Partilhávamos os horários de serviço e passávamos mais tempo juntas do que eu passava com qualquer um. Meus amigos do ensino médio estavam muito ocupados com suas faculdades para me dar atenção. Eduarda virara meu suporte. Algumas pessoas dizem que os amigos são a família que escolhemos, devo discordar. Amigos são a família que encontramos e nos acolhem quando não temos para onde correr.
  Olho para o rosto dela. Sua feição parecia sempre triste, embora quase nunca se sentisse assim. Seus finos cabelos castanhos presos em um pequeno rabo de cavalo simplório. Senti-me confortada só de olhar para ela.
  - Eu nunca fui boa contando...
  - Mas eu sou. Não sou nenhuma matemática, mas fico sempre no caixa e posso me gabar de nunca ter errado um troco. - ela tentava me animar e, mesmo que singelamente, conseguia.
 - Eu vou ficar bem. - esforço-me para dar um sorriso.
  Queria ter a capacidade de simplesmente confiar nas pessoas. Queria imensamente apenas poder contar com elas. Mas como posso contar com alguém se não posso contar comigo mesma?

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