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sábado, 30 de maio de 2020

Kindred: Laços de Sangue - Octavia E. Butler | Resenha

  Se temos uma obra fantástica, é porque sua autora tem muito a falar. Octavia Butler foi uma escritora negra estadunidense que marcou sua geração, mesmo que só venha sendo reconhecida mais recentemente no Brasil com as novas edições de suas obras e divulgação de leitores que há tempos esperavam por sua popularização. Seu projeto de escrita envolvia uma ficção-científica feminista e racializada, trazendo à tona elementos que os escritores de sua época não consideravam, voltados para às inteligências artificiais, por exemplo. Suas discussões sobre o racismo e processos de exclusão são pertinentes até hoje e muitos de seus leitores debatem se não cabe enquadrar suas obras no movimento afrofuturista - tentando resumir essa manifestação artística enorme, uma filosofia e estética cultural que abarca uma ficção afrocentrada.

  Agora então voltando-se para o livro, Kindred: Laço de Sangue fala sobre uma série de eventos misteriosos na vida de Dana, uma mulher negra que acaba de se mudar com seu marido também escritor. Em certo momento, Dana sai dos seus conhecidos anos 70 e volta ao passado, um passado especificamente cruel para ela e sua ancestralidade: os mesmos Estados Unidos, porém em uma Maryland escravista do século XIX pré-Guerra Civil.

  Os personagens são tão bem construídos que ler os tantos pensamentos de Dana permitiu uma aproximação muito grande entre leitora e personagem, mesmo que nossas histórias e realidades sejam tão distantes. Suas dores são sentidas de forma tão intensa que eu me via encolhendo meu corpo em cada momento de sofrimento seu. É possível ainda entender a mentalidade de outros personagens, como de Ruffus, por exemplo, mesmo que ainda assim não seja possível defender seu posicionamento, muito pelo contrário.

  As relações entre os personagens também é muito forte. Vê-se as diferenças de um relacionamento inter-racial tanto em um contexto mais próximo à contemporaneidade, quanto em um passado distante. É possível observar também as relações de poder estabelecidas entre homens e mulheres, e ainda mais entre brancos e negros. A permanência de pensamentos coloniais, machistas e racistas é uma chaga viva em nossa sociedade, e esse livro traz isso à tona de forma muito impactante. Destaco ainda a força da ancestralidade de Dana ao ver-se tão igual e diferente às mulheres de sua família.

 
  Os motivos para seu retorno no tempo e a sucessão dos acontecimentos deixam o leitor extremamente ávido para saber mais sobre a história, e por esse motivo terminei a leitura muito rapidamente. E ainda assim, por muito tempo a narrativa me rondou a cabeça, é forte demais para ser esquecido.

  A escrita de Octavia é bem construída, fluida apesar de temas difíceis de serem trabalhados, forte e necessária. Pretendo inclusive ler a trilogia da Parábola do Semeador para conhecer melhor a sua obra. Sendo assim, fica explícito que Kindred é um livro impecável e de leitura muitíssimo recomendada.

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