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sábado, 27 de junho de 2020

E se a morte entrasse de greve? | Resumo e Resenha: As Intermitências da Morte - Saramago

As Intermitências da Morte se trata de uma epidemia "de não morrer" e todas as suas consequências nacionais. Política, economia, religião e cultura abalados com o sumiço de um fenômeno tão natural, mas também percebido e vivido socialmente. Ora, a morte só queria ser devidamente valorizada. No entanto, ela segue incompreendida, e o autor nos convida para conhecer melhor sua rotina e condições atípicas.

Ler um livro como esse em uma situação de pandemia pode ser tanto perturbador como um ponto de vista diferenciado pra realidade. Para mim, me soou como o segundo caso. Saramago tem um jeito único de escrever, é sabido, e essa leitura que mais parece um fluxo de pensamentos me pareceu um toque de leveza. Isso para não falar do senso de humor irônico do autor.

Bem, não costumo trabalhar com spoilers, mas sendo uma obra tão completa, não vejo como fazer se quer uma breve análise (e um resumo) sem aprofundar nos fatos. Não creio que saber o que acontece no livro vá tirar o poder que é experimentar essa leitura, mas se você acreditar que sim, pule para os últimos parágrafos (talvez no décimo após este) da presente resenha.

Para começar, quando a morte se ausenta por motivos desconhecidos, toda uma nação vai ao delírio. Os que deveriam estar mortos ficam catatônicos e infelizes, os doentes que deveriam morrer não se recuperam, e aqueles que desafiam a morte na tentativa de forçá-la a si, sofrem as consequências em vida.

As instituições são as primeira a entrar em colapso. A começar pela indústria da morte, exemplificada pelas funerárias e seguradoras de vida. Imediatamente as primeiras negociam com o governo para que seja então obrigatório a enterrar devidamente os animais, e as últimas planejam um seguro que funcionam como uma previdência que seria dada a cada 80 anos. Assim, o governo começa então a planejar asilos definitivos, já que a imortalidade não é sinônimo de juventude aqui.

Os religiosos entram também em pane, uma vez que muito de seus fiéis só lhe devotavam devido às garantias no pós-vida. E os filósofos também não ficam menos desesperados, já que o sentido da vida pensado por tantos deixa de ter o significado original, uma vez que esta não lhes parece mais finita.

Mortalidade, Caveira, Vanitas, Memento Mori, Comemorar

Enquanto isso, a sociedade civil enfrenta suas próprias questões. Em uma das casas do país, um velho - no leito de morte que já não vem - tem a ideia de ser levado à fronteira, onde a greve da morte já não alcança. Sua ideia se mostra efetiva, e é natural que logo várias famílias tenham a mesma.

Inicia-se assim dois processos. No primeiro, uma maphia (com ph) surge para fazer o "trabalho sujo" de levar os futuros mortos à fronteira, ganhando pequenas fortunas por isso. No outro, os países fronteiriços ameaçam iniciar uma guerra, uma vez que seus territórios não são cemitérios. A maphia então deixa de enterrá-los do outro lado e realiza acordos com o governo e as funerárias, que passam a voltar a enterrar esses mortos. Este último fenômeno se mostra alarmante socialmente, já que as vizinhanças começam a julgar umas as outras por escolher deixarem seus mortos morrerem, encarando como um assassinato.

De uma forma ou de outra, a nação acaba por se adaptar em sete meses à ausência da morte. Esta última, no entanto, retorna com ares espetaculares com uma carta aberta a ser lida em rede nacional, alegando que sua intermitência foi por uma questão de valorização, e que agora retornará com a bondade ainda de avisar a todos os futuros mortos com uma semana de antecedência para que tenham tempo de organizar o fim de suas vidas.

A pobre morte, no entanto, muito longe de ser valorizada, agora é ainda mais rechaçada. Se antes imploravam para que voltasse, agora lhe achavam especialmente cruel. Ao invés de ajeitarem a vida, aqueles que recebiam as cartas se desesperavam, desacreditam, faziam tudo o que não fizeram a vida toda, e até mesmo tentavam adiantá-la. Mas a morte seguia seu trabalho sem muito se afetar com os rompantes sociais.

Livros Antigos, Livro, Antigo, Biblioteca, Educação

Até que um dia uma carta retorna, não apenas uma, mas duas vezes. Ora, isso nunca aconteceu. Ela resolve então averiguar o que aconteceu e se depara com um homem comum de vida tediosa. Um violoncelista que vivia só com seu cachorro havia escapado da data da morte. Ela então faz de tripas coração - ou de esqueleto, carne - para tentar resolver a situação e passa a acompanhá-lo em sua vida. Então, um dia ela se despede temporariamente de seu claustro e sua gadanha, "veste-se" de mulher viva  e resolve sondá-lo para conseguir, enfim, entregar a carta.

No entanto, com suas aparições e afirmações enigmáticas do tipo "eu tenho algo para você", "não pode escapar de mim" e "eu o conheço melhor que ninguém", o violoncelista se pega em inseguranças, questionamentos e, quem diria, em flerte. No dia em que enfim a carta seria entregue, a morte deixa-se levar por ter "todo o tempo do mundo" e se pega em conversas, demonstrações musicais e em uma noite de amor. E mais uma vez, ninguém morre no outro dia.

Cessando o resumo, concluo afirmando que o enredo é uma obra completa. Até o meio da narrativa estranhei o fato de não termos um personagem principal fixo, apenas alguns que serviam para ilustrar as nuances da história. Então, percebo a morte (com letra minúscula por solicitação da mesma) como uma protagonista muito humilde, que está por toda parte, mas não requisita primeira pessoa ou holofotes. Por fim, finalmente compreendi as motivações das ausências e destaques temporários dos personagens.

A questão é que a morte é mais humana que as próprias instituições da humanidade.


Enquanto o governo e as religiões se preocupa com poder, as empresas e máfias com o dinheiro, os filósofos com a detenção do conhecimento e a sociedade com suas reputações, a morte preocupava-se com a vida. Queria o reconhecimento merecido e realizar seu trabalho em paz. A morte vivia o tédio de uma existência quase humana no circuito profissional e se reconheceu ternamente em um homem comum que lhe fugiu das garras. A morte apaixona-se por sua própria humanidade refletida na vida.

Tudo isso contado de uma forma não necessariamente linear, é de uma poesia encantadora. Embora não seja tão relevante como Ensaio sobre a Cegueira, As Intermitências da Morte me pegou pelo coração. E embora essa nem e quer tenha sido a interpretação do autor, a minha acabou por me conquistar. Saramago tem uma leitura ampliada do que é a morte em nossa sociedade em termos materiais e abstratos. Eis mais um livro da série Leitura Obrigatória segundo eu mesma.

terça-feira, 9 de junho de 2020

TBR da Maratona Literária de Inverno 2020 | #MLI2020 #BKTBTN


  Como de praxe, eis-me aqui toda maratoneira como todos os anos. Esse ano a maratona vai de 20 de Junho a 4 de Julho, e, como sempre, é promovida pelo Geek Freak. Além disso, essa edição será uma Booktubatona, com mais 27 booktubers. Cada um deles propôs um desafio para que escolhêssemos, e é a partir de alguns deles que venho aqui apresentar minha TBR.

Um Livro que Faça Parte de Uma Série (Bárbara Sá)

A Parábola do Semeador - Octavia E. Butler

Muito saudosa da autora desde que li Kindred (que já tem resenha aqui no blog), vou iniciar a leitura dos três livros da série nesta maratona, na esperança de conhecer um pouco mais sobre a autora.

Um Livro em Inglês (Vá Ler um Livro)

Condição Pós-Moderna - David Harvey

Esse tem rendido leitura já faz tempo, e espero que a maratona me dê o fôlego que preciso pra terminar a obra.


Um Livro Recomendado por um Booktuber (All About That Book)

Para Ler como um Escritor - Francine Prose

Esse já tinha entrado em maratona literário e foi intocado, tadinho. Já está tanto tempo nas minhas metas para ler que já até esqueci em que canal eu o vi ser recomendado. Vamos ver se dessa vez vai, uma vez que agora sim me declaro oficialmente escritora.

Um Livro Encalhado na Estante (Palavras Radioativas)

Criatividade e Grupos Criativos - Domenico de Masi

Calhamaço que não tenho nem esperanças de terminar durante a maratona, mas quem sabe avançar consideravelmente na leitura.

Um Livro de Realismo Mágico (Luckyficious)

As Intermitências da Morte - Saramago

Embora o realismo mágico me lembre imediatamente América Latina, abri mão dessa vez para conhecer um pouco mais da obra tão bem falada de Saramago.


  Bem, estou curiosa para saber como será o andamento dessa Booktubatona, que epero que seja recheada de sprints e interações!


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