Neverland pensei_falei@hotmail.com - -

domingo, 14 de dezembro de 2014

Trechos Favoritos de Felicidade Clandestina por Clarice Lispector




- "Pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.

- Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter.

- Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim.

- Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

- Outro nome que a instabilidade dos adultos lhe dava era o de "bem comportado", de "dócil". Dando assim um nome não ao que ele era, mas à necessidade variável dos momentos.

- Ali o amor, mais facilmente estável de um dia, não daria oportunidade a instabilidades de julgamentos.

- Já que tudo falhara, ele iria brincar de "não ser julgado": por um dia inteiro ele não seria nada, simplesmente não seria.

- Pela primeira vez sentiu-se atraído pelo imoderado: atração pelo extremo impossível. Numa palavra, pelo impossível. E pela primeira vez teve então amor pela paixão.

- E as máscaras? Eu tinha medo mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara.

- Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.

- E, como nas histórias que eu havia lido sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina.

- Desci até a rua e a li de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados.

- Na minha fome de sentir, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me [...] e de novo eu morria.

- E então, mulherzinha de oito anos, considerei pelo resto da noite que enfim alguém me havia reconhecido: eu era, sim, uma rosa.

- E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor?

- É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar o mundo que não é ele.

- Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho inocente.

- Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza?

- Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus.

- A esperança era meu pecado maior.

- Eu queria o seu bem, e em resposta ele me odiava. Contundida, eu me tornara o seu demônio e tormento.

- As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito.

- Era de se lamentar que tivesse caído em minhas mãos erradas a tarefa de salvá-lo pela tentação.

- Só Deus perdoaria o que eu era porque só Ele sabia do que me fizera e para o quê.

- Vida crua e cheia de prazeres: eu era uma adoradora. Aceitava a vastidão do que eu não conhecia e a ele me confiava toda.

- Suportando com desenvolta amargura as minhas pernas compridas e os sapatos sempre cambaios, humilhada por não ser uma flor.

- O jogo de torna-lo infeliz já me tomava demais.

- A verdade é que não me sobrava tempo para estudar. As alegrias me ocupavam, ficar atenta me tomava dias e dias.

- Havia a esperançosa ameaça do pecado, eu me ocupava com medo de esperar.

- Sem falar que estava permanentemente ocupada em querer e não querer ser o que eu era, não me decidia por qual de mim.

- Na minha pressa eu crescia sem saber para onde.

- Minha compostura quebrada como a de uma boneca partida.

- É que na falta de jeito de amá-lo e no gosto de persegui-lo, eu também o acossava com o olhar: a tudo que ele dizia eu respondia com um simples olhar direto, do qual ninguém em sã consciência poderia me acusar. Era um olhar que eu tornava bem límpido e angélico, muito aberto, como o da candidez olhando o crime. E conseguia sempre o mesmo resultado: com perturbação ele evitava meus olhos, começando a gaguejar. O que me enchia de um poder que me amaldiçoava.

- Irritava-me que ele obrigasse uma porcaria de criança a compreender um homem.

- Eu daria tudo o que era meu por nada, mas queria que tudo me fosse dado por nada.

- O coração imprudente pôs-se a bater alto demais sob o risco de acordar o gigantesco mundo que dormia.

- Bem devagar vi que o professor era muito grande e muito feio, e que ele era o homem de minha vida.

- O novo e grande medo. Pequena, sonâmbula, sozinha, diante daquilo a que minha fatal liberdade me levara.

- Eu era o único eu.

- Ele me olhava. E eu não soube como existir na frente de um homem.

- Vida nascendo era tão mais sangrento do que morrer. Morrer é ininterrupto.

- Ver a esperança me aterrorizava, ver a vida me embrulhava o estômago.

- Estavam pedindo demais de minha coragem só porque eu era corajosa, pediam minha força só porque eu era forte.

-  Somente a consciência atormentada do pecado me redimia do vício.

- Tive que engolir como pude a ofensa que ele me fazia ao acreditar em mim.

- Destruía meu amor por ele e por mim. Minha salvação seria impossível: aquele homem era eu.

- Meu amargo ídolo que caíra ingenuamente nas artimanhas de uma criança confusa e sem candura, e que se deixava docilmente guiar pela minha diabólica inocência...

- Mas se eu não prestava, eu fora tudo o que aquele homem tivera naquele momento.

- Seria fácil demais querer o limpo; inalcançável pelo amor era o feio, amar o impuro era a nossa mais profunda nostalgia.

- Nunca saberei o que eu entendo. O que quer que eu tenha entendido no parque foi, com um choque de doçura, entendido pela minha ignorância.

- Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coube arrancar de seu coração a flecha farpada.

- Comecei a aprender a ser amada, suportando o sacrifício de não merecer.

- Sobreviver é a salvação. Pois parece que viver não existe. Viver leva à morte.

- Ela não sabe se explicar: "sei que o erro está em mim mesma"; ela chama de erro a sua vida.

- Está na sua condição não servir a si própria. Sendo, porém, o seu destino mais importante que ela.

- Fiz do meu prazer e da minha dor o meu destino disfarçado.

- Embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é mais necessário dissimular.

- Poucos querem o amor, porque amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões.

- Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor.

- Ser leal não é coisa limpa, ser leal é ser desleal para com todo o resto.

- É liberdade ou estou sendo mandada? Pois venho notando que tudo o que é erro meu tem sido aproveitado.

- Minha revolta é que para eles eu não sou nada, eu sou apenas preciosa: eles cuidam de mim segundo por segundo, com a mais absoluta falta de amor; sou apenas preciosa.

- É que me querem culpada e distraída, e não importa como.

- Mas durmo o sono dos justos por saber que minha vida fútil não atrapalha a marcha do grande tempo.

- Coitado dele, ele é meu.

- O tédio, aliás, fazia parte de uma vida de sentimentos honestos.

- Faltava-lhes o peso de um erro grave, que tantas vezes é o que abre por acaso uma porta.

- Tinha suas ausências. O rosto se perdia numa tristeza impessoal e sem rugas. Uma tristeza mais antiga que seu espírito.

- Voltara de seu repouso na tristeza.

- Ignorância tão vasta que nela caberia e se perderia toda a sabedoria do mundo.

- O ideal os sufocava, o tempo passava inútil, a urgência os chamavam - eles não sabiam para o que caminhavam, e o caminho os chamava.

- Cheia de impotente amor pela humanidade.

- Nada. Nada, e que não se exagere, fora apenas um instante de fraqueza e vacilação, nada mais que isso, não havia perigo.

- Para conhece-lo tenho que esperar que ele se deteriore, e só então ele estará ao menu alcance.

- O caminho lento aumenta sua coragem secreta.

- Inútil: toda a minha força está sendo usada para eu conseguir ser frágil.

2 comentários:

  1. Olá
    Sugestão para o site: Deixe informações de contato para patrocinadores!

    ResponderExcluir
  2. Olá, muito obrigada pela sugestão! Acrescentei um email para contato além da conta Google.

    ResponderExcluir

Seguidores

Popular Posts

Quem sou eu

Minha foto
Escritora, professora, universitária, leitora ávida, amante das artes.
Tecnologia do Blogger.