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quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Resenha | Fahrenheit 451 - Ray Bradbury

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  A verdade é que tenho dificuldade de resenhar clássicos, uma vez que eles quase alcançam a intangibilidade. Mas isso é um pudor que tomei depois de grande, e que talvez faça sentido eu me desfazer dele, uma vez que como leitora tenho o direito de emitir minha opinião. Então muito ousadamente me proponho a resenhar  Fahrenheit 451 de Ray Bradbury.

  A ideia do queimar livros como sacrilégio permanece até hoje e serviu de inspiração para muitas outras obras artísticas e críticas à contemporaneidade. O valor de Fahrenheit 451 é inestimável, evidentemente. Um ponto chave da genialidade da obra é a inversão das funções com direito a apagamento do passado. Isto é, a função de bombeiro que apaga chamas transmutada em incendiador de livros.

  Outras relações da distopia também são muito atuais mas de outras maneiras: os televisores de três paredes caminharam para a quarta e se tornaram nossos celulares. As conchas no ouvido, os fones. As medicações para relaxar que acabam por nos matar (nosso soma huxleyano diário) continuam aí manifestados não apenas como remédios.

  Quanto aos personagens, estes evidenciam as personalidades e relações com grande força. Inclusive, é possível que haja um pouco de spoiler nesse parágrafo, sinta-se à vontade para pular. Montag é um curioso reprimido, que na minha opinião não é um protagonista interessante suficiente, principalmente com outros personagens mais interessantes como Clarisse. Esta é uma menina que sabe viver de fato, em um mundo onde isto é proibido. Me lembrou muito da Anne with an E, na verdade. Infelizmente, não é uma personagem que nos acompanha até o final do livro e o próprio autor se arrepende disso, modificando isto em suas apresentações teatrais. Mildred é o reflexo do esvaziamento das relações, com os outros e consigo mesma. Faber é um cabeça que por muito tempo ficou inativo e que muito teme ser pego, mas é de relevância central para o enredo. E Beatty é um mistério a medida em que é o superior com acesso a um conhecimento oculto, um agente de si mesmo infiltrado para nada. Ele é uma figura interessantíssima.

  Outra coisa que me chamou atenção foram os prólogos e posfácios do autor do livro que muito parece se misturar à sua história, às vezes. Não o conheço profundamente, nem sua história nem suas outras obras, mas essas partes textuais são uma porta de entrada para sua mente. Na última parte da edição, o autor faz uma crítica às minorias que o criticaram, pedindo alteração em suas obras uma vez que não se viram representadas. Então, ele alega que isto é uma queima simbólica de livros e que as minorias seriam responsáveis por isso. Prefiro crer que foi algo escrito em um ápice de sua afronta, e não algo que ele realmente acreditava, uma vez que é um posicionamento problemático. Não conheço o conteúdo de suas outras obras, mas se o caso foi de falta de representação de, fato, alterar uma obra antiga é estranho ao autor, sendo mais eficiente que se tome mais cuidado com isso em futuros livros. Mas se foi um caso de discriminação, isso é digno de não apenas alteração, como um pedido de desculpas. Ora, as minorias são tão invisibilizadas e mal representadas, e estas sempre se preocuparam em ler e criticar as obras. Não é de seu feitio queimá-las, uma vez que é preciso recordar do que foi feito com estas para fortalecer sua luta. Mas é do feitio sim das classes hegemônicas apagar a história alheia. Esse é mais um caso evidência da dificuldade de se separar arte do artista, mas isso é história para outro momento.

  Talvez por ser o primeiro livro que li em um kindle, senti a leitura muito fluida e rapidinha. É muito bem escrito e super tranquilo de ler. No geral, foi uma leitura que me instigou ainda mais a prosseguir na minha jornada das distopias!



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